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Cresça como um artista

Atualizado: 24 de out.

Autoria: Marina Mello

Revisão de texto: Deivid D'Paula


Existem muitas maneiras de fazer arte e cada uma delas é especial à sua forma.
Existem muitas maneiras de fazer arte e cada uma delas é especial à sua forma.

Você se lembra da última vez em que criou algo só por prazer, sem metas, sem julgamentos, apenas porque era divertido imaginar? Quando foi que a curiosidade deixou de ser seu guia e deu lugar à pressa, ao resultado imediato? E se a criatividade não fosse um dom reservado a poucos, mas uma linguagem que todos possuímos desde a infância? Talvez a pergunta não seja “quem é artista?”, mas “quando deixamos de ser?”.


Marina Mello, atelierista na Creche Uirandê
Marina Mello, atelierista na Creche Uirandê

Olá, meu nome é Marina e eu sou artista. E, se me permite, queria te contar a história do João, alguém que, por acaso ou destino, descobriu a força silenciosa que a arte tem de abrir caminhos onde antes só havia muros. E o curioso? João não é artista. Ou, pelo menos, achava que não era.


Está confortável? Então sente-se. Porque essa história não é apenas sobre João, é, de alguma forma, sobre todos nós.


João trabalhava em um ambiente corporativo elegante, daqueles em que o silêncio das salas parecia mais pesado que qualquer reunião. Os corredores cheiravam a café forte e responsabilidade. Ele era bom no que fazia: eficiente, metódico, impecável nos relatórios, mas, nos últimos tempos, sentia-se como uma engrenagem emperrada. As demandas cresciam, a pressão aumentava e as ideias… simplesmente não vinham.


João, ilustrado pelos alunos do G2A
João, ilustrado pelos alunos do G2A

Na reunião de um importante projeto de inovação, João se vê paralisado. As vozes ao redor sugerem caminhos, apontam soluções, pensam fora da caixa e ele, dentro dela, mal consegue respirar. O prazo se aproxima como um trem sem freio. Irritado, ele desabafa: “Se eu soubesse que precisaria ser criativo!”



Foi então que algo inusitado aconteceu. Seu chefe, um homem conhecido pela objetividade quase cirúrgica, aproximou-se e, em vez de gráficos ou planilhas, entregou-lhe um livro: Roube como um Artista.


João olhou para a capa como quem recebe um mapa de um país desconhecido. “Querem que eu seja um artista agora?”, pensou com ironia. Arte nunca tinha sido “coisa séria” para ele.


Mas, naquela noite, por algum motivo que ele mesmo não soube explicar, decidiu abrir o livro. E página após página, algo começou a se mover dentro dele como uma lembrança esquecida da infância. Aquelas palavras falavam de criatividade não como um dom místico, mas como uma postura diante do mundo: curiosa, aberta, inquieta.


Ao fechar o livro, João ficou em silêncio. Um silêncio diferente do que habitava os corredores de onde trabalhava. Era o silêncio de quem, pela primeira vez em muito tempo, se escuta. “Se eu pudesse voltar no tempo”, pensou, “teria aprendido a olhar o mundo com olhos de artista.”


E talvez seja essa a lição mais bonita dessa história: crescer como artista não significa viver de tintas, palcos ou partituras, significa aprender a criar pontes quando todos só enxergam abismos. Significa ousar imaginar, mesmo quando a lógica exige rigidez.


Eu, Marina, acredito que todos nascemos com esse olhar. Uns cultivam, outros enterram, achando que arte é só para quem pinta ou canta. Mas não. Arte é jeito de existir. De respirar. De transformar a vida em experiência viva.


A arte de aprender com olhos de criança


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Com os olhos fechados, João imagina uma escola diferente. Uma escola em que as cem linguagens da criança não são abafadas por rotinas engessadas ou conteúdos pré-formatados, mas reconhecidas como instrumentos legítimos de desenvolvimento integral. Nesse lugar sonhado, a arte não está confinada à aula de quinta-feira à tarde, ela respira em cada corredor, habita os muros, colore as conversas e transforma os espaços em cenários de descoberta.


As crianças brincam de ser personagens de contos de fadas. Não há plateia, apenas um coletivo que cria junto. No jogo simbólico, elas constroem narrativas compartilhadas, negociam sentidos, articulam ideias, escutam e se escutam. “Como eu faria se fosse o lobo mau?”, pensa João, curioso, já mergulhado naquele universo lúdico. Isso é teatro, mas também é linguagem, escuta, empatia e imaginação em ato.


Apresentação do Grupo 4 - Peça teatral: Pássaro de Fogo
Apresentação do Grupo 4 - Peça teatral: Pássaro de Fogo

Ao desenhar, aquelas crianças desvendam a si mesmas: cada traço é um pedaço de memória, uma emoção disfarçada de cor, uma forma que traduz uma maneira singular de perceber o mundo. Ao dançar, compreendem que o corpo também fala, não apenas com músculos, mas com gestos, ritmos e sentimentos. Viver as linguagens artísticas não é um passatempo: exige planejamento, atenção ao detalhe, sensibilidade e coragem para errar e recomeçar. É, essencialmente, um exercício de pensamento crítico, de adaptação constante e de encontro consigo e com o outro.



Enquanto sonha, João observa: quando as crianças olham o mundo com curiosidade, elas investigam. E investigar é, no fundo, um dos gestos mais profundos da criação artística.


Quando desperta, João não é mais o mesmo.


Percebe que ser artista não significa, necessariamente, subir num palco, segurar um pincel ou escrever versos. Ser artista é assumir uma postura investigativa diante da vida: observar com profundidade, expressar-se de múltiplas formas e adaptar-se ao imprevisível com imaginação ativa. 


A infância já contém essa potência em estado bruto: curiosidade, experimentação e encantamento, mas o mundo adulto muitas vezes a silencia.


A força dessa ideia não é nova. Diversos autores da educação e da psicologia reafirmam que a arte é uma dimensão essencial do desenvolvimento humano. John Dewey (2010) afirmou que a arte é experiência, e que só se torna formativa quando vivida com intensidade de observação e reflexão. Lev Vygotsky (2009) ressaltou que imaginação e criação são processos fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e social da criança. Paulo Freire (1996) nos lembrou que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção” e criar possibilidades implica reconhecer a criança como sujeito ativo de sua aprendizagem. Já Howard Gardner (1995), ao propor a teoria das inteligências múltiplas, evidenciou que a arte mobiliza diversas dimensões da inteligência humana linguística, corporal-cinestésica, espacial, musical, interpessoal e intrapessoal, formando uma inteligência ampla, viva e integrada.


  • A integração entre infância e arte é, portanto, mais do que desejável: é necessária.

  • No campo cognitivo, estimula o pensamento crítico e a criatividade.

  • No socioemocional, promove o autoconhecimento e a empatia.

  • No motor, desenvolve coordenação e consciência corporal.

  • No adaptativo, ensina a lidar com erros e mudanças.

  • No observacional, aguça a atenção aos detalhes e exercita a escuta sensível.


O sonho de João é, na verdade, um espelho: crescer como um artista não significa escolher uma profissão artística, mas adotar uma forma criativa, reflexiva e observadora de habitar o mundo. A arte ensina a pensar criticamente, a comunicar com clareza, a reconhecer a própria voz, a cooperar e a enfrentar com coragem os desafios que surgem em qualquer contexto.


Como afirmou Freire, “a educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem.” A arte também é. É coragem de olhar de perto, de imaginar o que ainda não existe, de tropeçar no processo e seguir em frente.


Crescer como artista, portanto, é aceitar o convite mais radical de todos: o de ser humano em sua inteireza. É reconhecer que viver é um ato contínuo de criação, e que observar, experimentar e imaginar são os caminhos mais profundos para existir em plenitude.


REFERÊNCIAS


DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

VIGOTSKI, Lev S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

KLEON, Austin. Roube como um artista: 10 dicas sobre criatividade. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.


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